Em reunião realizada nesta segunda-feira (30), o Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política da Educação no Brasil (Gaepe-Brasil), diferentes entidades que atuam no setor educacional apresentaram seus respectivos posicionamentos e reflexões sobre a atualização do Piso Nacional do Magistério. Foram elas, o Ministério da Educação, o Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa, a Comissão Permanente de Educação (Copeduc) – do Grupo Nacional de Direitos Humanos, órgão do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça -, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
Estabelecido pela Lei 11.738/2008, a chamada “Lei do Piso”, salário inicial da carreira de professor tinha como base de cálculo estimativas baseadas no valor-aluno-ano do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que vigorou até 2020. Com a promulgação da Emenda Constitucional 108/2020, que cria o Novo Fundeb, e a sua regulamentação (Lei 14.113/2020), algumas regras foram atualizadas e a lei do antigo fundo, revogada.
A nova política de financiamento elevou o valor-aluno-ano distribuído pelo Fundeb para a Educação Básica, mas previu a criação de uma lei específica para tratar do piso salarial docente – o que ainda não foi feito pelo Congresso Nacional. O impasse se inicia no entendimento jurídico sobre ser válida ou não a aplicação da Lei 11.738/2008 (a Lei do Piso em vigor antes do Novo Fundeb), uma vez que o dispositivo que embasava o cálculo do reajuste faz remissão à lei do antigo Fundeb, que foi revogada.
O Ministério da Educação (MEC) havia sido contrário à manutenção do cálculo seguindo a lei já existente, mas voltou atrás e publicou a Portaria 67/2022, que eleva em 33% o Piso Nacional do Magistério. Em 2020, o valor era R$2.886 e com o novo reajuste passa a ser R$3.845. Em 2021 não houve aumento em decorrência da contenção de gastos por causa da pandemia (como determinado pela Lei Complementar 173/2020).
Após a publicação da portaria, cada estado, município e o Distrito Federal devem ter aprovada em suas casas legislativas uma lei local que regulamenta esse reajuste (escalonado, por exemplo, de acordo com o tempo de carreira). Em alguns entes federados isso já foi feito, porém, muitos gestores ainda têm dúvidas sobre as regras para aplicação do reajuste na sua rede ou dizem não ter como aplicá-lo sem desequilibrar as contas públicas.
Judicialização
O assunto foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) em duas ações. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7145, movida pelo Governo de Minas Gerais, o STF suspendeu a derrubada do veto do governador às emendas da Assembleia Legislativa que aumentavam a remuneração dos servidores públicos acima do proposto pelo Executivo. Dentre as emendas vetadas, estava o aumento de 33% para professores.
Em outra ação o Governo Estadual de São Paulo alega que o aumento levaria o Estado a descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e que a obrigatoriedade da aplicação interfere na independência e a autonomia entre os Poderes, principalmente no que se refere aos reflexos da majoração do piso nos demais níveis, faixas e classes da carreira – o recurso ganhou repercussão geral (Tema 1.218) no STF, ou seja, a decisão deverá ser observada por todos os Tribunais do país.
Confira alguns argumentos apresentados na reunião:
Diversas entidades apresentaram seus pontos de vista e entendimentos a respeito do tema. De forma plural, a reunião contemplou posicionamentos de gestores, conselhos de educação, órgãos de controle e Sistema de Justiça, que se propuseram a dialogar e cooperar para encontrar soluções.
Dentre as posições favoráveis ao reajuste de 33% para o Piso Nacional do Magistério, foi destacado o entendimento de que, embora a Lei de regulamentação do Novo Fundeb revogue a lei anterior que versava sobre o funcionamento do fundo, essa revogação não atinge, automaticamente, a validade da Lei do Piso, porque tal medida não foi expressa. Argumenta-se, porém, que a Lei do Piso continua sendo a baliza para o reajuste do vencimento inicial dos professores, até que nova lei seja editada para alterá-la ou revogá-la. Outro ponto levantado é que a aplicação do aumento não implica no descumprimento imediato da Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que o gestor pode e deve reorganizar gastos.
Por outro lado, algumas entidades entendem que o aumento esbarra na falta de uma Lei que o embase, dado que o Novo Fundeb traz muitas diferenças em relação à política anterior e isso altera diretamente o cálculo utilizado como base para o reajuste. Além disso, há a preocupação com a capacidade fiscal dos municípios, que são muito diferentes pelo Brasil.
Durante a reunião, foi consenso, porém, que a valorização da profissão docente deve continuar a ser um objetivo de todos. Afinal, o Brasil ainda não atingiu a meta 17 do Plano Nacional de Educação (PNE), prevista para 2020, que visa equiparar a remuneração docente com a dos demais profissionais com mesmo nível de escolaridade. No entanto, os participantes também concordaram que é preciso haver maior direcionamento jurídico sobre o assunto, com propostas que considerem as alterações relativas ao Novo Fundeb, o planejamento e a capacidade fiscal da gestão, bem como outros aspectos da carreira, uma vez que há grande disparidade entre como cada ente federado aplica a Lei.
A discussão sobre o Piso salarial será retomada no próximo encontro da governança, no qual o grupo discutirá a judicialização do tema e como o Gaepe-Brasil pode apoiar o andamento das discussões. “Estamos buscando fomentar um debate amplo e plural sobre o tema. O nosso objetivo é alcançar entendimentos, por meio do diálogo e colaboração entre os agentes envolvidos, para propor encaminhamentos que possam prover maior segurança jurídica, considerando a necessária valorização da carreira docente e capacidade fiscal e de planejamento dos entes federados”, afirma Alessandra Gotti, presidente executiva do Instituto Articule.
O Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política da Educação no Brasil (Gaepe-Brasil), é uma instância de diálogo e cooperação entre atores do setor público e sociedade civil envolvidos na garantia do direito à Educação com o objetivo de fomentar maior interlocução entre essas instituições de forma que possam ser propostas ações articuladas e pactuadas para a garantia do direito à Educação. Idealizada e coordenada pelo Instituto Articule, a iniciativa é operacionalizada em cooperação com a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e o Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB).
Além da governança em âmbito nacional, os estados de Rondônia, Goiás e Mato Grosso do Sul, também contam com Gaepes estaduais e o município de Mogi das Cruzes conta com a primeira iniciativa em âmbito municipal – todas coordenadas pelo Articule em cooperação com a Atricon e o CTE-IRB.